O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar em clima tenso o julgamento do mensalão no próximo dia 21, véspera da posse do relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, na Presidência da Corte. Em sua estreia à frente do julgamento, Barbosa pode votar uma questão que deve criar polêmica com o Congresso: a perda imediata do mandato dos parlamentares condenados pela Corte.
Ao todo, dos 37 réus julgados desde 2 de agosto nas 46 sessões do mensalão, apenas três são parlamentares: os deputados federais João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT). Num ato de desagravo à decisão, o ex-presidente do PT José Genoino, também condenado, pode assumir uma vaga na Câmara dos Deputados, onde é suplente. A Casa tem se negado a cumprir imediatamente as decisões do Supremo que determinam a perda do mandato.
Barbosa quis votar a questão na noite de quarta-feira, última sessão plenária com a participação do ministro Carlos Ayres Britto, que deixa o cargo e a presidência da Corte ao completar 70 anos, em 18 de novembro. De início, o ministro Marco Aurélio Mello advertiu que não seria o caso de votar o assunto naquele momento. O ministro Celso de Mello disse que a questão é de “magna importância”. “Então, é por isso que eu quero votar”, insistiu Barbosa.
O revisor do mensalão, Ricardo Lewandowski, alegou que decidir a perda de mandato seria “atropelar o cronograma” estipulado, que previa a definição de penas a outros réus. “Não é atropelar, ministro”, respondeu Barbosa. “A questão se coloca porque mais cedo ou mais tarde nós teremos que enfrentá-la.”
Quando Britto ponderou que seria melhor votar primeiro as penas dos réus do núcleo financeiro, Barbosa protestou novamente: “Presidente, eu imaginei que vossa excelência queria se manifestar sobre essa questão.” A Lewandowski, Barbosa argumentou que é o relator quem define a ordem das votações do processo, e alfinetou: “Eu trago meu voto em três minutos, enquanto vossa excelência vota em uma hora.”
Ao fim, prevaleceu a decisão da maioria de continuar a dosimetria do núcleo financeiro. Mas o debate sobre a forma de votação do mensalão mostrou que, sem Britto na presidência, o Supremo pode perder a condução serena do julgamento.
Desde o início das sessões do mensalão, Britto deu suporte a Barbosa, privilegiando o relator na definição da forma de condução dos trabalhos. O presidente atuou ainda para acalmar os ânimos e fazer o julgamento andar. Agora, quem vai presidir a Corte é Barbosa, um ministro de perfil irascível, que não leva desaforo para casa.
O relator do mensalão já demonstrou entender que cabe a ele definir a ordem do julgamento. Na segunda-feira, por exemplo, Barbosa decidiu votar as penas do ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, ao invés dos réus do núcleo financeiro, como estava previsto, o que levou Lewandowski a deixar o plenário em protesto, após mais um debate tenso entre os dois.
“Aqui a temperatura eventualmente sobe em plenário, mas nos gabinetes, nos bastidores, nos restaurantes, nos lugares que frequentamos, nós nos reconciliamos”, afirmou Britto, referindo-se especialmente ao relator e ao revisor. “Eles exercitam a plenitude do contraditório argumentativo, mas separam o lado pessoal”, completou. A aposentadoria de Britto muda a configuração de forças entre os ministros. O STF perde um modo de condução destinado a fazer o julgamento fluir.
A partir do dia 21, Barbosa vai comandar inteiramente a sistemática de trabalhos do mensalão e ele tem saído vitorioso na maioria das decisões. Na quarta-feira, quando seus votos voltaram a prevalecer, o STF definiu penas que, somadas, superam 40 anos de prisão e mais de R$ 3 milhões em multa para os três réus do núcleo financeiro. (Valor Online)