REDAÇÃO DO JORNAL DA MÍDIA
Salvador – A concessionária paulista TWB não é mais operadora do sistema ferryboat. O Governo do Estado decidiu decretar a intervenção no sistema, a partir de hoje (20) e romper o contrato com a empresa, que vem desde 2006. A intervenção propriamente dita começa exatamente às 5 horas da manhã, quando equipes de profissionais formadas pela Agerba e Seinfra passam a ocupar as instalações do Estado nos terminais de São Joaquim e Bom Despacho, inclusive o prédio utilizado pela TWB como sede.
A operação terá à frente o diretor-executivo da Agerba, Eduardo Pessoa. Inicialmente, os técnicos da Agerba vão percorrer o terminal, conversar com os trabalhadores para mostrar que o sistema ferryboat vai continuar funcionando normalmente e que todas as atividades da rotina serão mantidas. O mesmo trabalho será feito no Terminal de Bom Despacho.
Os interventores terão também encontros com os comandantes e marítimos embarcados a fim de tranquilizá-los, já que diretores da TWB estavam divulgando que haveria demissão em massa. “Isso é uma inverdade, uma coisa mesquinha e criada para tumultuar o ambiente. Os trabalhadores sabem que não é essa a intenção do governo. A intenção é melhorar o serviço, é recuperar o patrimônio e é atender com dignidade a população, o que eles (TWB) nunca fizeram”, disse um membro da equipe de intervenção ao JORNAL DA MÍDIA.
Não se sabe ainda qual será a reação dos diretores da TWB e dos assessores da diretoria com a notícia da intervenção. Comenta-se que eles não poderão ter acesso mais às instalações onde funcionava a sede da companhia e ocupada pela Agerba.
A operação de intervenção, que já estava toda planejada há pelo menos 45 dias pela agência de regulação, recebeu nesta quarta-feira (19), por volta do meio dia, sinal verde do governador Jaques Wagner e do secretário de Infraestrutura, Otto Alencar, para ser executada.
Wagner e Otto só estavam aguardando o parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE), que tinha chegado um dia antes à Governadoria. A PGE decidiu, depois de quatro semanas, pela extinção do contrato da TWB com o Estado da Bahia, que foi firmado em 2006, no governo de Paulo Souto. A empresa deixou de cumprir a maioria das cláusulas contratuais e praticou uma série de irregularidades no comando do sistema ferryboat – foi denunciada inclusive pelo Ministério Público da Bahia de fraudar o Estado com o superfaturamento dos navios “Ivete Sangalo” e “Anna Nery”.
Inicialmente, a intenção do governo era convencer os donos da TWB a entregarem o sistema ferryboat de forma amigável. Mas os empresários, depois que sentiram que tinham perdido espaço e força junto a setores do governo e não conseguiam mais convencer a ninguém sobre as cansativas e eternas promessas de que iriam investir no sistema ferryboat para melhorar o serviço prestado à população, passaram a atacar, anunciando que iriam entrar na Justiça com ações, exigindo indenização do Estado. A partir daí o governo deu o diálogo com a TWB por encerrado e passou a acelerar o processo de intervenção.
Um histórico de acidentes e sucateamento da frota
A TWB é a terceira empresa a deixar o sistema por exigência do governo. As outras duas foram o consórcio Comab e a Kaimi. Todas elas entraram na exploração do sistema com o governador Paulo Souto e sempre em gestões do então secretário de Infraestrutura Eraldo Tinoco, já felecido.
Em 1996, no boom das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, o governador Paulo Souto começou a anunciar concessões de empresas estatais. Sem qualquer critério ou estudo, Souto resolveu extinguir a estatal a Companhia de Navegação Bahiana e entregar o sistema ferryboat à iniciativa privada. Depois vendeu a Coelba e só não concedeu a Embasa a algum aventureira porque os sindicatos e a oposição reagiram.
Algumas empresas estrangeiras chegaram a se interessar pelo negócio ferryboat, mas todas foram descartadas pelo governo da época. E uma da Bahia, também: a do consórcio formado pelo empresário Wilson Andrade, que no governo de Waldir Pires foi presidente da Navegação Bahiana, sendo responsável pela implantação do sistema de hora marcada no ferry e pelo prjeto que tornou dois ferries comuns em navios dose-dupla, o “Juracy Magalhães” e o “Agenor Gordilho”.
A preferência do governo Souto foi pelo Comab. Soube-se depois que esse consórcio chegou à Bahia pelas mãos do então secretário Eraldo Tinoco, que convidou alguns empresários de São Paulo para assumirem o sistema ferryboat. Juridicamente, o Comab não existia antes de 1996. Ele foi criado aqui. A sigla Comab significa Consórcio Marítimo da Bahia. Quem comandava o grupo era o empresário W. Washington, que ficou famoso por sua amizade e negócios com Celso Pita, ex-prefeito de São Paulo.
O Comab chegou fazendo a maior zuada no ferryboat. O governador Paulo Souto e o secretário Eraldo Tinoco faziam propaganda de que o serviço do ferryboat era coisa de ”primeiro mundo”. Trouxe o Comab o navio ”papa fila” Baía de Todos os Santos”, para 140 carros, e um moderno catamarã, batizado aqui de “Morro de São Paulo”. A incorporação dessas duas embarcações seria a contrapartida do consórcio no negócio.
As primeiras inverdades começaram a vir a público em pouco tempo: nem o catamarã “Morro de São Paulo” nem o ferry “Baía de Todos os Santos” pertenciam ao Comab, como anunciara antes o governo. Seriam de propriedade de uma empresa panamenha, à qual o Comab pagava um “verdadeiro absurdo” de aluguel, já que o contrato era em dólar e por isso o consórcio estaria operando no “vermelho”, com a desvalorização do real promovida por FHC. Os dois navios bateram em retirada pouco depois. O Comab foi acusado em ações, depois, de lavagem de dinheiro.
Depois de ganhar todo dinheiro que queriam no sistema ferryboat e de obterem até financiamento de R$ 20 milhões do BNDES, com aval do Estado, para reformar os ferries “Maria Bethânia” e “Gal Costa”, os donos do Comab começaram a se desinteressar pelo negócio.
Em 2003 o sistema foi entregue por Paulo Souto e Eraldo Tinoco a uma empresa de nome Kaimi, totalmente desconhecida. Um ano depois, Souto decretou a intervenção no ferryboat, tirou a Kaimi, executou um programa de recuperação de todos os navios e entregou tudo de mão beijada à TWB, em 2005. Apesar de só ter assinado o contrato de concessão com o Estado em 2006, a TWB já tinha sido contratada em caráter emergencial pelo governo um ano antes.
E a trajetória da TWB, que felizmente para os baianos chega ao fim, foi marcada por eternas promessas de um serviço melhor, de investimentos e de modernização da frota. Mas o que a empresa paulista deixou mesmo foi um histórico de inúmeros acidentes ocorridos no sistema ferryboat, de prestação de serviço da pior qualidade, do sucateamento sem precedentes do patrimônio público e de muitos prejuízos para o Estado.
A intervenção do governo Wagner no ferryboat demorou, sem dúvida. Se tivesse ocorrido há dois anos, o governo teria o prejuízo aliviado. Mas agora só resta esperar o resultado da intervenção. A tarefa não vai ser fácil. A situação dos navios é caótica e vai exigir um esforço muito grande para a recuperação e reforma. É importante que o governo saiba passar para a população a situação real deixada pela TWB no sistema ferryboat. Não pode aliviar nem se omitir.