FERNANDO CONCEIÇÃO*
São 104, 114, 150 as mortes violentas registradas em cinco dias, entre a decretação da recente greve dos policiais na Bahia, na terça-feira, seu fim na sexta, até o domingo de Páscoa? Quem o sabe? O pacto de silêncio das instituições e setores da sociedade perante essa limpeza sócio-étnica, verdadeiro progrom, é sintomático. As vítimas do extermínio não são gente como a gente. Who care?
A autoridade maior responsável por tudo isso tem nome, sobrenome e endereço certos: Jaques Wagner, governador do Estado. Há oito anos, em coligação ampla entre esquerdas partidarizadas e conservadores neanderthais, como um tal de João Leão, ocupante do Palácio de Ondina.
Fossem outros os tempos, o tempo do sempre lembrado como paradigma da truculência, Antônio Carlos Magalhães, e neste momento a UNE, os professores universitários das Ciências Sociais e Filosofias, sociólogos e politólogos, estariam nas ruas em protesto. Parlamentares dos ditos partidos comunistas et caterva, assim como a “liderança” dos movimentos sociais e negros, as centrais sindicais teriam paralisado a cidade.
Entretanto, com esses cadáveres acumulados nos necrotérios ou apodrecendo nas tradicionais áreas de desova, agora que essas gentes estão no poder ou são dele dependentes, em suas locupletagens ou migalhas, a mudez que se não ouve é ensurdecedora.
Não se lê um editorial na grande mídia local – toda ela também comprometida ou subalternizada – que exija de Wagner e seus asseclas postura respeitosa do Estado Democrático de Direito – que de forma alguma pode compactuar com o massacre que assistimos.
Na segunda-feira o titular da Secretaria da Segurança Pública (sic!), Maurício Barbosa, certamente instruído por superiores, chamou a imprensa para dizer que está criando uma “força tarefa” para “apurar” essa verdadeira carnificina baiana.
Posa mais como galã de novela do SBT do que comandante de tropa. Se vergonha e dever ético fizessem parte de sua cartilha de governante responsável por uma área tão sensível como a que administra, deveria era apresentar a sua renúncia irrevogável, diante do genocídio que assistiu imobilizado.
Faltou independência profissional aos jornalistas convocados para a mise-en-scène. Em vez de aceitarem, sem mais, a declaração ensaiada do secretário do governo petista-carlista Jaques Wagner/Otto Alencar, deveriam cobrar de Barbosa o que tem faltado a esse governo no trato da questão da segurança pública: hombridade moral.
Em um Estado que respeitasse a inteligência das pessoas e os direitos humanos de todos os cidadãos, independentemente de sua origem sócio-étnica e seu local de moradia, Maurício Barbosa deveria ter pejo em utilizar-se do sofrimento das famílias enlutadas para mais uma peça de escárnio e de propaganda eleitoral.
Antes de secretário, Barbosa chefiou o setor de inteligência da polícia baiana. Daí que, teórica e tecnicamente estaria credenciado a prevenir a greve inconstitucional, antecipar-se, prever e conter as nefastas consequências daí advindas antes. Não fazer como agora, “chorar”, com lágrimas de crocodilo, o sangue derramado.
Ocorre que não vê o cidadão como seu patrão, quem lhe paga o salário. Seu compromisso não é com a segurança pública, mas com o projeto político-pessoal de Jaques Wagner. Nisso Barbosa não está sozinho. E conta com o beneplácito de uma oposição covarde.
*Fernando Conceição é jornalista e professor da UFBA