A tentativa de redução de 90 para 30 dias do recesso parlamentar na Assembleia Legislativa opõe, seguramente, a maioria do plenário a um deputado “novato”, Uziel Bueno, que em um mês alcançou brilho que muitos perseguem anos sem conseguir.
É uma situação inédita, porque, a despeito de divergências políticas que eventualmente tenham, os deputados se norteiam por uma solidariedade surda e dificilmente, entre eles, as coisas chegam às últimas consequências.
Neste caso, porém, é muito grande a insatisfação com o colega, que poderá ter dificuldade até para recolher as 21 assinaturas necessárias à apresentação de proposta de emenda constitucional.
Quando tem de agir nesse terreno, a Assembleia não titubeia: em 2011, nem a condição de governista, petista, amiga do governador da deputada Luiza Maia impediu a derrota, por 46 votos a 8, de sua proposta para acabar o voto secreto nas decisões da Casa.
Comparação com férias causa irritação – Apresentador de programa popular policialesco na TV e no rádio, Uziel obteve cerca de 28 mil votos, ficando na segunda suplência da coligação PTN-PTB-PTC. Entrou na Assembleia na vaga do correligionário João Carlos Bacelar, afastado para ocupar o cargo de secretário municipal da Educação, e vem mostrando um modo peculiar de atuação.
De início, no rastro da queda do 14º e 15º salários na Câmara dos Deputados e no Senado, tentou apresentar PEC semelhante na Bahia, mas só reuniu 18 assinaturas. Como se tratava de uma medida com implantação inevitável, os líderes do governo e da oposição assumiram a proposta, que foi aprovada por unanimidade.
A questão do recesso, desgraçadamente, para Uziel, não se assemelha à dos salários, pois os parlamentares rejeitam com veemência a ideia de que têm “férias”, como os trabalhadores comuns.
Os dois períodos sem sessões durante o ano são usados, segundo eles, para outras atividades inerentes ao mandato, nos gabinetes ou em circulação, especialmente às visitas às “bases”, na certeza de que precisam estar de olho no “rebanho”.
Adversários falam em “falso moralismo” – O sentimento na Assembleia é de que, mesmo que vá ao plenário, uma proposta para encurtar o recesso não vingará. Deputados insatisfeitos com o que consideram “demagogia” do colega se esmeram no ataque, falando em “impedir a tramitação” e apontando “falso moralismo”, porque Uziel, no caso anterior, teria recebido os salários que combatia.
“Aqui na Assembleia, vamos fazer justiça, somente uma deputada, Maria Luiza Orge, nunca recebeu nenhuma das vantagens postas à disposição, por uma questão pessoal, dela, enquanto ele (Uziel) usa carro, gasolina, e soube que tem Reda também”, disse a este blog um deputado que pede reserva do nome, mas garante que seu voto, aberto, será contra a PEC.
Em rápida consulta, dez deputados informaram que votarão contra. Dois deles são Ronaldo Carletto e Targino Machado. “Essa PEC nem vai existir. Sou contra, porque deputado não tem só plenário. Trabalho em municípios que ficam a mais de mil quilômetros de Salvador, uns com cinco mil, outros com 50 mil habitantes”, disse Carletto.
Targino explica por que votará contra: “Preciso desse tempo para me dedicar a uma das finalidades do meu mandato, que é a representação”. Ele estima que conhece diretamente 90% dos seus eleitores e o contato é necessário para conhecer seus pleitos e preocupações. “É gente de quem eu aperto a mão, não posso ficar distante”.
De coerência, meio-termo e reféns – O deputado Fabrício Falcão (PCdoB) anunciou que votará pela redução “por coerência”, pois, como vereador em Vitória da Conquista, foi o autor do projeto que fixou em 30 dias o período anual de recesso da Câmara.
“Num município, por maior que seja, o representante tem como percorrer suas bases sem problemas no dia a dia. No caso do Estado, é diferente, por isso eu entendo que devemos ter nem 30 nem 90 dias de recesso, mas 60 seria uma boa solução”, disse Fabrício.
Em declarações à imprensa, outros parlamentares já se manifestaram sobre o tema. A favor da proposta estão os oposicionistas Elmar Nascimento, Adolfo Viana e Luciano Simões, enquanto os governistas Rosemberg Pinto e Marquinho Viana são contrários.
A hipótese de um meio-termo é também a aposta do presidente Marcelo Nilo, que sugere 75 dias e pede prazo para negociar com os pares. Mas ele precisará usar toda a sua influência na Casa, porque a questão, na palavra de um deputado, pode ser assim resumida: “Não podemos ficar reféns desse tipo de pressão”.
Confronto titânico – Tudo isso veio resultar, afinal, num conflito direto entre o Legislativo e a imprensa, pois o deputado Uziel usa todo o seu aparato jornalístico para promover uma eventual emenda de sua autoria, tendo se notado, nos primeiros dias do mandato, uma equipe de TV a acompanhá-lo.
Será o choque entre os verdadeiros detentores do poder e a verdade da mídia. Soa um pouco estranho, porque os políticos, embora a imprensa não seja 100% honesta e isenta, nutrem por ela o autêntico temor reverencial, em geral sublimado como respeito ao contraditório e à liberdade de expressão.
Bancadas – Informa-se nos bastidores que a bancada do PT decidiu não assinar requerimento nenhum para a PEC do recesso e que será contra em caso de votação.
Anteriormente, pela imprensa, o deputado Alan Sanches disse que seguirá a posição que sua bancada determinar, supondo-se, portanto, que haverá um debate sobre o assunto no PSD. (Por Escrito)