Se não é pouco o que o prefeito ACM Neto projeta administrativamente para Salvador, muito pode ele estar querendo com a proposta de mudar radicalmente a história política da Bahia, especialmente sendo quem é.
Seu pedido de “um amplo pacto pela reconstrução” da cidade, unindo “partidos, ideologias, classes sociais, setores produtivos e crenças”, não parece ter grande futuro no confronto com a realidade política.
Tenha-o feito por convicção ou oportunismo, não por acaso conclamou todos os políticos ao objetivo, porque só deles dependeria: “A eleição acabou. É hora de descer do palanque. Não vou governar fazendo política partidária, pensando nas próximas eleições”.
Seria, de fato, maravilhoso que um dia os políticos em geral compreendessem a magnitude de sua missão de transformar sempre para melhor a vida das pessoas, ou que pelo menos avançassem um pouco nessa direção.
De qualquer forma, a nós, munícipes, cabe ter esperança, mesmo ante a encarniçada luta de grupos pelo poder comezinho, que agride a cidadania e dilapida recursos com uma máquina ineficiente.
Austeridade tem de ser total – O pronunciamento de posse do prefeito, lido em praça pública, reuniu uma série de conceitos que ele vem emitindo desde a campanha e outros que incorporou depois da eleição, renovando compromissos assumidos e reiterando métodos que empregará na administração.
Não se furtou de apelar para clichês, como a promessa de “trabalhar incansavelmente” e a referência a “nossas belezas naturais e alegria de nossa gente”, próprios do momento, mas passou do ponto ao fazer a tradicional homenagem a baianos ilustres.
Nessa parte, o texto não corresponde ao orador, mais parecendo produto de um ghost-writer que desprezou a fronteira política da questão.
Ocasião solene, o prefeito não está ali para fazer inventário dos talentos musicais da cidade, misturando-os a personalidades realmente dignas de um panteão.
Sem demérito para ninguém, não dá para ombrear Gregório de Mattos e Dorival Caymmi a, por exemplo, Márcio Vítor, entre outros citados da axé-music ou coisa que o valha.
O prefeito referiu-se, em bloco, a 21 pessoas, sem refletir que economizar também na simbologia é sinal de austeridade, que não sucumbe à palavra fácil.
O Bolsa Família é nosso – Neto não deixou de fora o Bolsa Família, objeto de tanto fuxico eleitoral. Assumiu a defesa do programa, anunciando que vai lutar para ampliá-lo em Salvador, assim como a outras iniciativas sociais.
É um óbvio movimento de que puxa do adversário a primazia na área, colocando o Bolsa Família na condição de política de Estado. Sinal de que o prefeito não está tão desligado assim dos embates.
Apelo ao passado – ACM Neto reedita ACM quando afirma que Salvador “precisa saber modernizar seu funcionamento, mas sem ferir suas tradições (…) preservando seu patrimônio para as futuras gerações (…) sem esquecer que a cidade é viva, não para de se transformar”.
Foi essa filosofia que o falecido senador implantou, não exatamente como prefeito (1967-1970), mas no seu primeiro governo (1971-1975), quando construiu o Centro Administrativo.
Ao reunir os principais órgãos da administração pública na Avenida Paralela, recém-construída e ainda cercada de mato, o governo induzia o novo vetor de crescimento da cidade, desafogando o Centro Histórico. Na época, intensa campanha publicitária foi desenvolvida, sob o conceito “construir o futuro preservando o passado”.
O prefeito Neto disse que não será “um mero síndico”, para “resolver os problemas cotidianos à medida que eles vão surgindo”, mas buscará projetar a cidade para o século XXI, “plantando hoje sementes que possam dar frutos no futuro”.
Das medidas duras ao remédio amargo – O trecho seguinte, pela síntese do seu conteúdo, é publicado sem cortes: “Vou trabalhar incansavelmente para cumprir os compromissos que assumi com a população. Sei que não vai ser fácil. Mas uma coisa posso garantir a vocês: não tenho medo de desafios. Aliás, tenho convicção de que são os desafios que nos fazem avançar.
“Mas não estou aqui para iludir ninguém. Não vou prometer soluções milagrosas ou criar falsas expectativas. Os problemas da cidade não serão resolvidos da noite para o dia. As conquistas – nós sabemos – não caem do céu… não são servidas em bandeja de prata.
“As conquistas, para acontecerem, precisam de muito trabalho, muito planejamento, muita dedicação e, também, de algum sacrifício. Não vou deixar de tomar medidas duras, mas que são necessárias para tirar a nossa cidade da situação em que ela se encontra. Algumas vezes é preciso tomar um remédio amargo agora para trazer resultados no futuro”.
Milenar modernidade – “Quem tira seu sustento da terra sabe que existe um tempo de arar… um tempo de plantar… tempo de regar… e aí sim vem o tempo de colher”, disse o prefeito para justificar as “medidas austeras” que tomará de imediato, mas pedindo “paciência” até que frutifiquem.
Não se sabe se Neto conhece a origem bíblica da imagem que usou, do Eclesiastes, livro do Velho Testamento. O qual diz também que “não há nada de novo debaixo do sol”, questionando a existência de algo de que se possa dizer: “Vê isto? Isto é novo”.
O profeta conclui: “Já tem existido por tempo indefinido; o que veio à existência é de tempo anterior a nós”. (Por Escrito)