Na abafada tarde de sexta-feira em São Paulo, Ivete Sangalo senta-se na suíte presidencial do Hotel Renaissance, na zona sul da cidade, para falar de seu novo disco, “Real fantasia”, que começa a ser vendido amanhã no Brasil e em alguns países da Europa, além do iTunes.
Ivete chega da missa de sétimo dia da apresentadora Hebe Camargo, a voz um pouco anasalada de quem chorou, a maquiagem devidamente retocada. Veste calça de couro preta justa e blusa de crepe de seda creme, usa saltos altíssimos, mas está bem caidinha, estado de espírito raro para a cantora baiana.
Mas foi só começar a falar de sua rotina nos últimos seis meses — quando intercalou a produção de “Real fantasia” com as gravações de “Gabriela”, da Globo — para Ivete retomar a vitalidade e o entusiasmo que lhe são habituais. Fala das 14 faixas do CD sem maiores elaborações intelectuais. É orgânica: “Real fantasia”, uma mistura de axé, pop, samba-rock, funk, música latina e baladas, é simplesmente o que gosta de cantar, uma lista de compositores cujas músicas a tocaram, de alguma forma (“Sou do improviso, faço o que me dá felicidade”).
Aos 40 anos, 20 de estrada, Ivete Sangalo é uma artista no auge e no controle de sua trajetória artística. Mas de que trajetória falamos, exatamente? Porque, a julgar pelo entusiasmo com sua performance como a cafetina Maria Machadão, de “Gabriela”, a carreira de atriz está apenas começando.
— Antes eu não sabia. Mas, agora, posso dizer que existe uma carreira de atriz. Fiquei apaixonada por Machadão. Vou dar um tempo para me livrar dessa mulher e, depois, quero essa carreira de atriz — diz ela.
— Ivete é talentosa em várias possibilidades artísticas — comenta o produtor musical de “Real fantasia”, Alexandre Lins, ex-marido da cantora. — Não dá para esconder que, além da música, a experiência como atriz foi a coisa que mais fez brilharem seus olhos.
Ivete já havia interpretado antes, mas em trabalhos curtos, como “A desastrada de Salvador”, da série “As brasileiras”. Por isso mesmo o desafio de forjar uma personalidade complexa para a dona do Bataclan de Ilhéus a fascinou tanto. Era outra pessoa, outro mundo a construir, virtudes e defeitos a serem incorporados por longos seis meses. Era abandonar-se, encarnar uma prostituta apaixonada pelo cliente, sofrer o amor impossível e, no fim do dia, reassumir sua pele.
Ivete fala entusiasmada sobre a experiência, especialmente a convivência com o elenco, com destaque para seu par na novela, Antonio Fagundes, além de Leona Cavalli e Gero Camilo (“Eles me pegaram no colo”):
— No início eu achava muito estranho. Depois entrei no ritmo, com o apoio do elenco, que me fez compreender e criar uma vida para essa personagem. Eu aprendi muito com o Fagundes. Ele virou minha cabeça, e às vezes eu não sabia se ria ou chorava. Ele entrava no estúdio e dizia “Oi, bom dia”. Botava o chapéu e acabou, já era o Ramiro. E ele não me dava outra escolha. Eu só podia ser Machadão. Esse entendimento da complexidade do personagem fui construindo aos poucos. Vi a minha primeira cena e vi a última. Fiquei feliz e aplaudi a mim mesma. (O Globo)