LUÍS AUGUSTO GOMES
É possível até que a passagem do ex-presidente Lula por Salvador determine uma mudança no quadro eleitoral a favor de Nelson Pelegrino, mas é inevitável registrar a profunda diferença entre sua participação em campanhas anteriores e o melancólico comício de sexta-feira, na Praça Castro Alves.
Foi um evento teatral, armado à base de militância transportada, em que se tentou em vão transmitir um pouco de emoção, com o fim de único de utilização no programa eleitoral do candidato, e foi o que se viu hoje à noite pela televisão.
Em tomadas casuais, a cara desolada do vice-governador Otto Alencar e o pedido de aplausos de Olívia Santana, vice-prefeita na chapa, revelaram o tom insípido do ato. Até o adversário faturou: o programa de ACM Neto antecipou os piores momentos, como o candidato pedindo silêncio à charanga.
Independentemente do apoio do guru, verifica-se na capital baiana um processo de bipolarização, com o esvaziamento das candidaturas que vinham mais próximas aos líderes e praticamente nenhum crescimento das últimas, não sendo improvável que, para um lado ou para o outro, a eleição seja decidida no primeiro turno.
Lula encena uma história que não existe mais – Os petistas, que no longínquo passado condenavam a idolatria, desenvolveram e conservam um devotamento religioso a Lula, e hoje, até como última tábua de salvação em meio a um naufrágio, continuam acreditando que “ele” é capaz de tudo e nada lhe pega, um teflon, como dizem que é.
Entretanto, os fatos indicam que o homem que “nomeou” há dois anos a presidente da República não tem hoje a mesma eficácia. Nem consegue eleger os prefeitos de Recife e de São Paulo, capitais dos Estados que mais lhe dizem respeito diretamente.
Numa análise pragmática, isso pode decorrer de ele estar fora do gigantesco poder formal do qual desfrutou por oito anos, ou talvez seja fruto de tentativa desesperada de federalização de eleições municipais, em que prevalecem as circunstâncias de cada cidade.
Lula está, a esta altura, atirando à toa, buscando a revivificação dos momentos gloriosos. À medida que avançam os rumos do processo do mensalão, nesta brutal época de boca de urna, com o desdobramento extra-STF que se anuncia, insiste na imagem do amigo dos pobres.
Verdadeira classe média revê solidariedade – O que se vê, entretanto, é que o ex-presidente perdeu a classe média que migrou para ele na quarta eleição e que começa a desiludir-se, enxergando, enfim, a realidade da corrupção, não por acaso simbolizada na aliança com Paulo Maluf.
Não se fala aqui na “classe média” de 30 milhões de pessoas que o governo diz que criou, porque classe média não é um conceito estatístico, que inclua todo mundo com mil e poucos reais de renda familiar.
Ao contrário, fazer parte da classe média é viver a inserção mercadológica de quem mora em imóveis de alto a médio padrão, com filhos em boas escolas particulares e dois a três carros – um segmento que por muitos anos torceu o nariz para Lula e acreditou em avançar com a chegada do PT ao poder.
Por outro lado, a ideia de que a pobreza, provocada em praça pública, possa eventualmente coonestar as transgressões à lei significará, do ponto de vista institucional, que uma faixa expressiva da população brasileira faz parte de uma grande quadrilha e a ela deverá ser solidária. (Por Escrito)