O mensalão, o mais grave esquema de corrupção da história recente do Brasil, funcionou por dois anos. Demorou mais sete anos para ir a julgamento. Há três semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) está mobilizado para julgar 38 acusados de fazer funcionar um mecanismo criminoso de compra de apoio político no Congresso.
Isso significa que, ao final, o mensalão terá sido esclarecido? Infelizmente, não. Participantes fundamentais estão fora da ação examinada pelo Supremo. O banco BMG, que abasteceu o mensalão com empréstimos, não foi incluído. O banqueiro Daniel Dantas, que, segundo o inquérito da Polícia Federal (PF), forneceu recursos, não está lá. O papel do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi deixado de lado. Com eles, seria outro julgamento.
O BMG é a ausência mais significativa no julgamento. A PF queria investigá-lo antes que a denúncia fosse oferecida ao Supremo. O Ministério Público tinha pressa. Resultado: embora a PF tenha avançado nas investigações, o BMG está fora do julgamento. Hoje, o banco é investigado pela Justiça Federal em Minas Gerais.
O relacionamento PT-BMG começou logo no início de 2003. Em depoimento à PF, o presidente do banco BMG, Ricardo Guimarães, disse que, no início daquele ano, Marcos Valério o procurara para tratar de um empréstimo para o PT. Logo depois, o banco emprestou R$ 2,4 milhões ao partido. No mesmo período, Valério conseguiu duas audiências com o então ministro José Dirceu. Numa delas, Ricardo Guimarães levou o pai, Flávio Guimarães, presidente do grupo BMG. No final de 2003, a pedido de Valério, o BMG contratou Ângela Saragoça, ex-mulher de Dirceu. Se as investigações sobre o BMG estivessem nos autos, a situação de muitos réus se complicaria. Um deles seria Dirceu.
Em agosto de 2004, um decreto presidencial abriu o mercado de crédito consignado para aposentados e pensionistas do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Em apenas oito dias, o BMG conseguiu autorização para oferecer empréstimos com desconto no contracheque para os segurados. Outros dez bancos esperaram pelo menos dois meses pela autorização.
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Numa auditoria, o Tribunal de Contas da União afirma que “não se encontram razões para a prioridade dada ao pedido do BMG”. O governo enviou 10,6 milhões de cartas aos segurados do INSS para informá-los sobre a possibilidade de obtenção de empréstimos. A Procuradoria da República no Distrito Federal denunciou o ex-presidente Lula por isso. Apenas três meses de operação em condições tão favoráveis foram suficientes para o BMG vender sua carteira de empréstimos para a Caixa Econômica Federal por R$ 1 bilhão.
Um relatório da Polícia Federal afirma que o BMG ajudou a lavar dinheiro para o mensalão. Uma das agências de publicidade de Valério recebeu R$ 10 milhões da Visanet, empresa da qual o Banco do Brasil é um dos sócios. Esses R$ 10 milhões foram enviados ao BMG.
De acordo com a polícia, após uma operação de disfarce, um dos sócios de Marcos Valério, Rogério Tolentino, enviou cerca de R$ 6,6 milhões à corretora Bônus Banval, que distribuiu os recursos a parlamentares do PP. Num documento produzido para rebater as acusações, o BMG afirma que jamais “concorreu de forma voluntária” para o repasse de recursos ao PT ou a políticos aliados.
A ausência do BMG no STF foi lembrada, na semana passada, pelo advogado Luiz Francisco Corrêa Barbosa, defensor do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB). Depois de rememorar a ação judicial que Lula sofre por causa da ajuda ao BMG, Barbosa acusou o ex-presidente de envolvimento no mensalão. “Não só ele sabia, digo eu aqui, como ordenou o desencadeamento de tudo isso que essa ação penal está discutindo”, disse Barbosa. A oratória é inócua. Em 2005, Jefferson afirmou que Lula não sabia do mensalão. O Ministério Público Federal optou por não investigar Lula. Em 2009, o STF rejeitou o pedido de Barbosa para incluir Lula como réu.
No ano passado, o delegado Luís Flávio Zampronha, da PF, entregou seu segundo relatório sobre o caminho do dinheiro no valerioduto. No documento, aponta a participação do banqueiro Daniel Dantas no esquema do mensalão. As empresas de Dantas contrataram agências de Marcos Valério e pagaram R$ 3,6 milhões.
O relatório revelou ainda novos beneficiários do valerioduto, como o atual ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, e o senador Romero Jucá (PMDB-RR). Para não atrasar a ação que corria no STF, o Ministério Público decidiu desmembrar a ação. Assim, eles escaparam dos holofotes no maior julgamento dos últimos anos. (Época)