O que é que a passeata gay de São Paulo tem a ver com o turismo da Bahia? Nada, absolutamente nada!
Então, por que o governo desviou recursos do combalido turismo do estado, sobretudo o de Salvador, para promover show de Daniela Mercury em São Paulo? Ou para a Stock Car? Ou reforma de feira livre?
Porque não há representação institucional organizada em cada um dos atrativos do estado, não há cobrança da aplicação dos impostos pagos e outros recursos gerados pelas agências, hotéis, transportadores, comerciantes, profissionais autônomos, etc., do turismo receptivo. Não há respeito às leis, fiscalização do Ministério do Turismo, atuação dos tribunais de contas, e informações corretas à sociedade e valorização da atividade.
O turismo receptivo do Brasil – negócios e profissionais especializados no atendimento aos turistas – não tem a mesma representatividade e autonomia que o rico e influente turismo exportativo – operadoras que vendem viagens e grandes grupos hoteleiros – com fácil acesso a bancos, alguns em parceria com capital estrangeiro, e que financiam centros, estudos, teses e dados acadêmicos discutíveis, patrocinam campanhas, partidos e políticos parceiros que protegem seus interesses, e sustentam publicitários e jornais.
Em nenhum outro setor econômico do Brasil há tanta ingerência do Estado como no turismo, sendo ele, portanto, responsável direto pelos problemas e desaquecimento do turismo interno, que é explorado por manobras corporativistas.
Esta parceria das operadoras com o governo gerou três grandes equívocos:
1) não basta vender um atrativo, tem que cuidar dele, e profissionalmente, para isto há especialistas, faculdades, técnicos, etc. São pessoas que se preparam, investem, geram recursos e cumprem as funções vendidas por operadores e governo, portanto, têm direitos, necessidades e prioridades;
2) criar produtos ajuda, mas não resolve, pois o turista tem preferências, e muitos eventos são oferecidos em lugares famosos. Essa ‘tendência’ é fruto do atual mercado de trabalho, da livre iniciativa, que não dá garantias como o emprego formal dava a viajantes e operadoras, restando a estas investirem nas grandes empresas e nos eventos de incentivo profissional;
3) não é qualquer pessoa que pode trabalhar no atendimento ao turista, como prega Luiz Trigo da USP, pois é preciso boa formação cultural; conhecimento do atrativo, do país e do perfil dos polos emissores; domínio de idiomas, técnicas e leis que ajudem a informar; divulgar outros atrativos, e o potencial econômico e cultural do país. É o profissional do atendimento ao turista que consolida as vendas, atende aos interesses de todos, mantém, e multiplica o fluxo de visitantes.
A quantidade de turistas gays não tem expressividade para justificar tantos gastos em passeatas em todo o Brasil, nem para os vários atrativos naturais da Bahia, como as praias e ilhas do sul, Chapada Diamantina e Praia do Forte, ou os atrativos culturais como Salvador e Recôncavo Baiano, que precisam destes recursos para manter-se bem e receberem turistas de todas as tendências, o ano inteiro.
Aliás, não existe o segmento ‘turismo gay’, não há registros ou notícias de fluxo contínuo de gays, individual ou em grupo, para lugar nenhum. Pessoas de diferentes opções sexuais viajam por motivos culturais, naturais, lazer, negócios, etc.
Esta insistência do governo da Bahia em patrocinar turismo gay é um estímulo irresponsável ao turismo sexual, de consequências imprevisíveis, além de desvio ilícito de recursos vitais para a atividade no estado.
A música é um atrativo cultural consagrado de Salvador, não é preciso gastar verbas do turismo com cantores e bandas famosas que tem suas próprias empresas e público, e são contratadas o ano inteiro para tocar em todo o Brasil e em outros países.
Basta manter uma programação cultural regular no Pelourinho, com iniciantes, bons e baratos artistas locais oriundos de escolas e instituições de música e artes concentradas no Centro Histórico, que devem ser opções de aprendizado e trabalho para os jovens da cidade e atrações autênticas para turistas, inclusive muitos deles querem vir para estudar a famosa percussão baiana. Estes, sim, devem ser apoiados! Artistas buscam fama e trabalho, e Daniela Mercury já tem, não precisa do dinheiro público.
* José Queiroz é guia de turismo, agente de viagem, especializado em turismo receptivo