LUÍS AUGUSTO GOMES
O sucateamento e a incapacidade operacional do sistema feryboat estão à mostra, permitindo o questionamento da decisão do governo de fazer a intervenção – não no aspecto das ilegalidades e irregularidades constatadas, mas porque não assegurou a simples circulação das embarcações, que é o fim essencial.
A ineficiência da prestação do serviço vem sendo sentida nos últimos meses, prazos de reincorporação de unidades têm sido descumpridos e não há uma reversão na curva da qualidade, gerando, até de altos representantes governamentais, críticas ácidas e a recomendação aos motoristas de que usem as estradas.
É uma questão que instiga o meio político, porque, a esta altura, há de se perguntar sobre os objetivos da colocação, nas mãos do secretário e vice-governador Otto Alencar da responsabilidade de salvar uma massa deteriorada de metal e motores.
Objetivos políticos em contínua frustração – Decretada em setembro, portanto na reta final das eleições municipais, a intervenção pode ter sido uma tentativa de dar uma força à candidatura de Nelson Pelegrino a prefeito, mas deu errado. Este blog abordou a questão no texto “Um ato de risco no aspecto eleitoral”, de 20/09.
Pode ter sido também uma estratégia para valorizar a competência gerencial de Otto, tese que, obviamente, naufraga. Na ocasião, levantamos a hipótese de que o governo tivesse feito “uma reflexão sobre consequências indesejadas, porque é um sistema de operação complexa, que se torna mais difícil nas circunstâncias atuais”.
Estranho é que o vice-governador, mesmo sendo afeito a desafios, não tenha avaliado a complexidade da missão, pois, se para ele poderia ser uma credencial, era preciso a convicção de que os obstáculos seriam superados a contento.
Falta dinheiro para o interesse público – Chama a atenção na crise do ferryboat o fato de que o governo, numa situação emergencial em área de alto interesse público, tem as mãos atadas para comprar duas embarcações por R$ 34 milhões.
O curso da gestão é de referências a verbas maravilhosas para esta e aquela área, a empréstimos vultosos, bilionários mesmo, em bancos nacionais e estrangeiros. Até a convênios de dezenas de milhões com ONGs que têm a suspeição levantada pelo próprio governador.
Esse mesmo governo, pródigo em operações financeiras e gastos generalizados, é incapaz de, por exemplo, “separar” R$ 85 milhões, comprar cinco ferries, acabar com o problema e ainda ganhar uns trocados vendendo o resto ao ferro-velho.
“República da desconfiança” é que barra tudo – Na recente entrevista à imprensa após o retorno da China, Jaques Wagner anunciou sua disposição de lançar um edital internacional para compra emergencial de duas embarcações, lembrando que teria de haver pareceres favoráveis da Procuradoria Geral do Estado e Ministério Público.
“Nem sempre as coisas ocorrem com a velocidade que a gente gostaria”, ressalvou o governador para justificar a demora do processo. Antes, em tom irônico, ele tinha se referido à rapidez chinesa, mas isso diante do quadro que opõe “sistemas de partido único e a democracia ocidental”.
Segundo Wagner, na China “nada ocorre fora do poder central”, enquanto aqui temos “a lógica republicana” que impõe a presença do MP: “Não podemos dar agilidade a um processo porque na república da desconfiança a ideia é de que alguém está levando algum”.
Como resultado, o cidadão, o usuário das barcas da travessia Salvador-Itaparica, terá de aceitar que entraves legais, burocráticos, fiscais ou de qualquer outra ordem têm o condão de retardar por tantos anos uma solução que, afinal, depende de pouco dinheiro. (Por Escrito)