A construção de um megacomplexo portuário em Ilhéus, com investimento estimado em R$ 3,5 bilhões e 1,8 mil hectares de área total, gera a esperança de redenção à cidade que há mais de duas décadas assiste ao desmoronamento da “civilização do cacau” e às tentativas fracassadas de recuperar a glória do passado. Mas o projeto do Porto Sul da Bahia também assusta uma parcela dos empresários e ambientalistas da região, que temem efeitos devastadores para o turismo e sobre um dos pedaços de mata atlântica mais preservados do litoral brasileiro.
O futuro do complexo, que tem a pretensão de transformar-se em ponto final da prometida Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e em estrutura de escoamento para a produção do interior da Bahia, está chegando a um momento decisivo. Seis audiências públicas para discutir seus impactos ambientais com a população local deverão ocorrer entre os dias 28 de maio e 2 de junho. À frente do pedido de licenciamento, o governo estadual percebeu os riscos de um veto do Ibama ao local originalmente escolhido para abrigar o porto e tenta agora viabilizá-lo em um ponto a cerca de dez quilômetros do centro de Ilhéus, com expectativa de dar o pontapé inicial nas obras até o fim deste ano.
O porto planejado é do tipo “offshore”, ou seja, tem cais avançado no mar e ligado à costa por uma ponte de acesso com mais de três quilômetros. Ele está dividido em duas áreas: um terminal de uso privativo da Bahia Mineração (Bamin), idealizado para escoar o minério de ferro a ser extraído de uma jazida em Caetité, e um porto público, que é candidato a inaugurar o novo sistema de concessões desenhado pela União. No total, a previsão do governo baiano é que as duas áreas possam movimentar cerca de 100 milhões de toneladas por ano, equivalente à demanda hoje de Itaqui, no Maranhão, tornando-o um dos três maiores complexos portuários do Brasil, em movimentação de carga bruta.
Uma pesquisa feita pela Sócio Estatística Consultoria, com 525 entrevistas, indica que 73% da população local se diz “totalmente favorável” à construção do Porto Sul. Mas o empreendimento enfrenta focos de resistência, como o Ministério Público e a Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), além de organizações não-governamentais e empresários ligados ao turismo.
O Ministério Público Estadual, que estuda os prós e contras do novo porto junto com uma equipe de procuradores federais, teme a repetição de fenômenos sociais já observados na construção das hidrelétricas do rio Madeira e de Belo Monte. “Há um perigo real de criarmos bolsões de miséria”, afirma a promotora Aline Salvador, que integra o Núcleo de Defesa da Mata Atlântica do MP. Para ela, mesmo que seja reforçada, a estrutura de escolas e hospitais pode ser insuficiente para atender à futura demanda.
“Não dá para aceitar promessas vagas”, diz Aline, sublinhando que não tem posição contrária ao empreendimento, mas em defesa dos trâmites necessários para provar sua viabilidade e atenuar suas consequências negativas. “Queremos que a comunidade esteja bem informada sobre todos os impactos que ela pode sofrer. É legítimo que o taxista de Ilhéus coloque um adesivo no vidro do carro em favor do porto, porque afinal quer custear a faculdade do filho à noite, mas tem que prestar atenção se o projeto não fará com que seu neto padeça em um hospital sucateado.”
A construção do Porto Sul deverá gerar 2.560 empregos diretos no pico das obras, que vão durar até 54 meses, segundo o estudo de impacto ambiental (EIA-Rima). Depois, serão cerca de 1.700 funcionários para as operações. O aquecimento do mercado de trabalho embala os sonhos de Ilhéus, que jamais se recuperou dos efeitos da vassoura-de-bruxa, a praga responsável por dizimar a produção de cacau no fim dos anos 80. Em 1987, último ano antes da praga, a safra beirou 400 mil toneladas. Hoje, uma colheita de 150 mil toneladas é motivo de comemoração.
“O projeto do porto será a redenção de Ilhéus”, acredita o prefeito Newton Lima (PT), que viu a população do município encolher na década passada – o censo apontou redução de 222 mil para 184 mil entre os anos 2000 e 2010 -, com trabalhadores rurais deixando as fazendas de cacau semiabandonadas. Enquanto isso, a população urbana de Ilhéus cresceu de 60% para 87% do total, em meio ao aumento das ocupações irregulares e dos indicadores de criminalidade.(Valor Econômico)