Às vésperas de os EUA atingirem o limite permitido de sua dívida, de US$ 16,7 trilhões, o que pode ocorrer no próxima quinta-feira, 17 de outubro, o temor de um calote dos títulos do Tesouro americano, os chamados treasuries, tornou-se mais presente e tem ditado, com tensão, os rumos do mercado financeiro.
Na “linha de tiro” está um grupo de 15 países emergentes — incluindo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o chamado Brics — que, em julho, tinha US$ 2,36 trilhões aplicados em títulos do Tesouro americano, sendo a maior parte desses recursos provenientes de suas reservas internacionais.
É um bolo que cresceu a passos largos nos últimos cinco anos, em mais de US$ 1 trilhão, período em que esses países tiveram um aumento rápido de entrada de dólares e optaram por aplicá-los na referência de segurança em investimentos.
Segundo dados do Departamento do Tesouro dos EUA, o montante em posse desse grupo de emergentes representava 40% da dívida americana nas mãos de estrangeiros — que totalizava US$ 5,6 trilhões em julho.
Pior que o Lehman – André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, diz que o calote pode ter consequências mais dramáticas para o mercado do que a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, em setembro de 2008. Ele lembra, no entanto, que o mercado ainda acredita em um acordo entre o presidente dos EUA, Barack Obama, e a liderança do partido Republicano para elevar por mais algumas semanas o limite da dívida americana, até novembro.
— Sem um calote, os títulos públicos americanos ficam, no mínimo, com a imagem arranhada. Com o calote, os títulos não necessariamente viram pó, porque o problema dos EUA não é falta de dinheiro, mas autorização para usá-lo. Mas isso vai criar, claro, um grande problema global porque esses títulos são usados como depósito de garantia em todo o planeta — diz Perfeito.
Juliana Moreira, operadora de renda fixa do Credit Agricole, em Miami, explica que os títulos mais prejudicados seriam os com vencimento de curto prazo — os chamados T-Bills, que tem duração de 30 dias a até três anos — e o cupom (juros pagos periodicamente) dos papéis soberanos de longo prazo. Somente de cupom são US$ 6 bilhões a serem pagos em 31 de outubro.
— O mercado está mais preocupado com os T-Bills porque representam um volume maior em eventual calote.
O maior credor emergente da dívida americana, China, com US$ 1,277 trilhão, alertou na semana passada sobre as consequências de um calote. O Brasil, terceiro maior credor (o segundo entre os emergentes), tem atualmente US$ 256,4 bilhões em títulos do Tesouro americano, alta de 65% nos últimos cinco anos, antes da crise financeira global (US$ 154,8 bilhões). Nos últimos dez anos, o valor aplicado cresceu em 2.000%. Em julho de 2003, eram apenas US$ 11,7 bilhões. Os recursos têm origem principalmente nas reservas internacionais, o chamado colchão de segurança do país contra eventuais choques externos.
— Se houver um calote, o Brasil pode deixar de receber rendimentos dos seus títulos ou mesmo o valor principal, se houver um vencimento em data próxima. Não sabemos ao certo se isso vai acontecer — diz José Julio Senna, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-diretor do Banco Central (BC). (O Globo)