A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) condenou as restrições “graves para o livre exercício do jornalismo” na Argentina. A entidade enviou a Buenos Aires uma missão que passou três dias analisando a crise de liberdade de expressão no país. Na sexta-feira, a delegação divulgou uma conclusão preliminar sobre o caso – o relatório final será apresentado em março em uma reunião em Puebla, no México.
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“Depois de ter ouvido, nas últimas 48 horas, mais de 100 pessoas com conhecimento do estado da liberdade de expressão na Argentina – jornalistas independentes, críticos ou aliados do governo, referências culturais, advogados, congressistas e editores de jornais -, a missão concluiu que ainda existem graves problemas para o livre exercício do jornalismo no país”, afirma o texto.
A missão da SIP foi liderada por Claudio Paolillo, diretor do semanário uruguaio Búsqueda, e composta por várias pessoas ligadas ao meio, incluindo o brasileiro Alexandre Kruel Jobim, executivo do Grupo da RBS, e Ed McCullough, da Associated Press.
“A missão observou que, na Argentina, a crítica não é criminalizada, mas o governo tenta desacreditá-la socialmente por meio de ataques constantes contra veículos e jornalistas críticos, alguns dos quais são mencionados explicitamente pela presidente do país em cadeia de rádio e TV”, afirma a nota. “A publicidade oficial ainda é distribuída para favorecer, em geral, aos veículos ‘amigos’ e punir aqueles que o governo vê como ‘inimigos’, com recursos que pertencem a todos os cidadãos argentinos.”
Desde março de 2008, a presidente Cristina Kirchner está em pé de guerra com o Grupo Clarín, maior holding de comunicação da Argentina, que adota uma linha crítica à Casa Rosada e seria a empresa mais afetada pela Lei de Mídia, proposta pelo governo e aprovada pelo Congresso. A aplicação total da nova legislação obrigaria o grupo a vender de 150 a 200 concessões, além de edifícios e equipamentos.
A publicidade oficial ainda é distribuída para favorecer, em geral, aos veículos ‘amigos’ e punir aqueles que o governo vê como ‘inimigos’, com recursos que pertencem a todos os cidadãos argentinos. (Nota da SIP sobre a liberdade de expressão na Argentina)
Justiça – Na quinta-feira, às vésperas de a lei entrar em vigor, no entanto, o governo sofreu um duro revés quando a Câmara Civil e Comercial determinou a prorrogação da liminar solicitada pelo Grupo Clarín para os artigos 45 e 161 da Lei de Mídia.
Há três anos, o Clarín havia conseguido uma liminar para suspender temporariamente a aplicação dos dois artigos até que a Justiça definisse se os pontos eram inconstitucionais ou não, tal como a holding multimídia argumentava. Agora, os artigos permanecerão suspensos até que os juízes determinem uma sentença definitiva.
A briga entre Cristina e o Clarín foi um dos temas centrais investigados pela SIP em Buenos Aires. “A delegação recebeu relatórios extremamente preocupantes de jornalistas sobre o futuro da liberdade de expressão na Argentina. Alguns deles mencionaram o que chamam de ‘pecados passados’ do Grupo Clarín – em particular, a aliança com o ex-presidente (Néstor) Kirchner, entre 2003 e 2007 – e alertaram que, neste momento, o que está em jogo é o exercício da liberdade de expressão no país”, diz a nota.
“Os jornalistas acreditam que, se o governo continuar assediando e acabar desmembrando o grupo, um dos poucos críticos do governo, os argentinos ficarão reféns da versão oficial”, continua o texto. “A delegação da SIP ouviu comentários semelhantes de políticos opositores e de intelectuais independentes. Alguns até concordaram com a ideia inicial da ‘Lei de Mídia’, mas alertaram que o governo tem feito uma ‘aplicação seletiva’ da norma.”
Pressão
Também chamou a atenção da SIP a pressão do Executivo sobre o Judiciário para influenciar a nomeação dos juízes que emitirão a sentença definitiva sobre o caso. “A Justiça ainda não se pronunciou sobre o mérito da questão, mas, antes da decisão judicial ser tomada, o governo já anunciou que espera que a lei seja aplicada para o grupo (Clarín).”
“Uma das pessoas que falaram com a missão disse que os juízes estão sujeitos a ‘uma perseguição feroz, ao melhor estilo fascista’, porque integrantes do governo abordam ‘questões pessoais dos juízes’, atacam suas famílias e recorrem a serviços de inteligência para intimidá-los.”
A nota termina recordando que a SIP sempre combateu os monopólios de meios de comunicação, tanto privados quanto públicos. “Se os monopólios privados afetam a liberdade de expressão, os monopólios estatais conduzem ao totalitarismo.” Por fim, a SIP deixou claro que “confia na Justiça argentina” e acredita que os juízes decidirão “em favor das liberdades e das garantias fundamentais dos indivíduos.” (Estadão)