VITOR HUGO SOARES
Salvador segue em labaredas, já quase na boca das urnas do segundo-turno. A quentura ficou ainda mais inclemente (quase insuportável para os de pele e olfato mais sensíveis) a partir da última quarta-feira, desta semana explosiva e decisiva na campanha que confronta os candidatos ACM Neto, do DEM, e Nelson Pelegrino, do PT, em disputa – canelada a canelada, bairro a bairro, casa a casa, voto a voto – pela histórica prefeitura da terceira capital do País.
Na quarta, 25, entre o começo da manhã e o princípio da tarde, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma de suas mais apressadas e radicais visitas a Salvador. Foi tempo suficiente, no entanto, para mexer com nervos, interesses e sentimentos à flor da pele dos dois lados em choque na soterópolis dividida.
Tensão, emoção, agressividade e polêmica. Tudo misturado e atirado de supetão em uma das áreas mais pobres e problemáticas da capital baiana. Principalmente no discurso, de contados cinco minutos, que o ex-presidente da República fez, no palanque armado pelos petistas, na suburbana comunidade de Paripe.
Às vésperas da votação deste domingo, 28, carregada da imprevisibilidade que “a barriga das urnas costuma esconder”, como dizia Raimundo Reis, saudoso político pessedista e sábio cronista do cotidiano da Bahia.
A última pesquisa disponível, no entanto, mostrava ha uma semana quando foi divulgada, vantagem de oito pontos percentuais, da intenção de votos, para ACM Neto sobre Pelegrino.
No subúrbio foi tudo tão rápido e instintivo, a ponto de muita gente – incluindo políticos e jornalistas em cima e nas imediações do palanque – nem ter tido tempo de perceber, de imediato, e avaliar direito toda a virulência, nuances e sentido de um dos discursos mais simbólicos e reveladores sobre a personalidade política de Lula e a enorme relevância atribuída pelo PT, e seus aliados atuais de poder no governo, ao resultado da segunda rodada de votação amanhã na capital baiana.
Ficou patente, também, a gana governista de trituração das forças de oposição em algumas grandes cidades brasileiras, a exemplo do DEM, na Bahia, e do PSDB, em São Paulo.
Vale a pena recordar o que falou o ex-presidente no comício de Paripe – vindo de Fortaleza e com pressa de chegar a Cuiabá antes do anoitecer.
Isso quatro dias depois do arrepiante e não menos agressivo e pouco sutil discurso da presidente Dilma Rousseff, no palanque de Nelson Pelegrino, no periférico, pobre e populoso bairro de Cajazeiras, ao lançar sobre o eleitor soteropolitano a cobrança de alinhamento do futuro prefeito de Salvador com os governos do petista Jaques Wagner (no Estado da Bahia) e o seu próprio governo, para conquistar simpatias em Brasília.
Lula disparou contra o candidato ACM Neto e seu falecido avô, Antonio Carlos Magalhães (sem citar seus nomes) praticamente um arsenal inteiro de munição retórica pesada.
Primeiro, lembrou mais uma vez a ameaça de “surra” recebida do deputado quando ainda exercia a presidência da República (apesar dos reiterados pedidos de desculpas do ofensor, antes e durante a atual campanha).
Depois, “partiu para cima” do ACM vivo e do morto.
“Ele (ACM Neto) tem dito que o programa Bolsa Família foi criado pelo seu falecido avô enquanto senador da República, com um fundo nacional de combate à pobreza, mas a Bolsa Família que eles criaram foi outra, que não repartiram com o povo, que ficou só para uma família . O Bolsa Família que atende aos interesses da maioria do povo certamente vocês me ajudaram a criar neste país”, atirou o ex-presidente na manifestação.
Na verdade, o que ACM Neto tem propagado em sua campanha, é que o avô criou o Fundo Constitucional de Combate à Pobreza, no ano 2000, como está nos registros históricos, não a Bolsa Família, que veio depois.
No palanque petista, entre sorrisos e aplausos para Lula, algumas das mais expressivas figuras do antigo carlismo na Bahia. Entre eles, Otto Alencar, vice-governador de Jaques Wagner, e o ex-governador e ex-senador Cesar Borges.
Na plateia, cerca de quatro mil ouvintes (o número é do próprio vice-governador na Rádio Metrópole), boa parte formada por integrantes de famílias pobres da área suburbana, beneficiadas com a bolsa governamental.
E o ex-presidente continuou acionando a metralhadora verbal: “O povo pobre deste país não merece um político mentiroso. Eu não vou falar mal de ninguém, mas tem um companheiro aí, que está concorrendo contra o Nelson, que disse que ia me bater, que ia dar uma surra em mim. Primeiro é que jamais eu iria brigar com ele, porque se eu batesse nele seria uma vergonha e se eu apanhasse uma vergonha e meia. Então, eu preferi ficar quieto. Agora ele plantou uma mentira sórdida de que foi o avô dele que criou o Bolsa Família. Aí é demais, aí é demais”, concluiu Lula em Paripe.
Ainda no palanque, o governador Jaques Wagner, que não falou no comício, limitou-se a puxar um coro de “Parabéns prá Você” antecipado, a propósito do aniversário do ex-presidente, que comemora 67 anos este sábado, 27 de outubro, em São Paulo.
Apesar das advertências dos aliados adeptos do Candomblé em cima do palanque de Paripe ( “festejar aniversário antes da data pode afugentar a boa sorte”, alertou um deles), o governador foi em frente com o canto e as palmas de festejos.
O resto é a verdade eleitoral que sairá “da barriga das urnas” este domingo. A conferir.
Bom voto a todos.
Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail: [email protected]